Quando comecei na Medicina, em 1992 e, em seguida, na
Dermatologia, em 1993, logicamente, por entusiasmo e por mais facilidade em
ganhar dinheiro, comecei trabalhando com estética.
Era uma clínica de excelente
padrão; não havia laser, não havia toxina botulínica, nem procedimentos
invasivos. Na verdade, esta "estética" era uma cosmiatria muito ética
adicionada de alguns peelings superficiais, e de um certo auxílio de umas
esteticistas, também éticas e sérias. Era um bom ambiente.
Os pacientes vinham com suas rugas, flacidez, celulite, gorduras
localizadas ou peles simplesmente feias, e os médicos proporcionavam a essas
pessoas um tratamento coerente com o limite da estética e com o grau de
esperança do cliente.
Curiosamente, as pessoas reconheciam os limites que estes
tratamentos proporcionavam. E o relacionamento era bom, duradouro e linear.
Mas isto mudou. Chegaram os lasers, os aparelhos de todo tipo, uma
quantidade de procedimentos e de peelings mirabolantes, a propaganda maciça em
meios de comunicação limítrofes, e veio a internet com o absurdo da informação
inútil, a massificação da tecnologia, a indústria farmacêutica / cosmética
internacional com centenas e centenas de produtos que, em sua maioria, não
servem para absolutamente NADA.
Há exceções.
Com isto tudo brotou em mim uma semente de frustração, de
confrontar a ciência com toda esta parafernália “promissora” e com a aflição
das pessoas em voltar no tempo, muitas vezes fugindo das reais questões da
vida, pessoais e profissionais.
Mas o tempo não dá marcha a ré. As pessoas raramente mudam seus
estilos de vida.
E brotou intolerância, impaciência, crises internacionais, polarizações
políticas, e o desemprego. Enfim, as pessoas mudaram muito. Tornaram-se
exigentes de resultados impossíveis. Deixaram de aceitar a feiura e o
envelhecimento. Elevaram ao status de “inaceitável” e de doença mudanças
absolutamente normais que acontecem ao longo da vida. E viraram consumidoras
famintas de cirurgias arriscadas, procedimentos duvidosos, passando inclusive a
ingerir substancias perigosas para a saúde.
A coragem da vaidade realmente sempre me assustou e surpreendeu...
E, por mais que se tente imprimir coerência, por mais que se
esclareça, vence a fantasia. Vence o sonho. Vence a expectativa irreal de
perfeição, juventude e beleza. Ninguém aceita mais ser feio, ser velho, ter
rugas, ter manchas. Não há nada de surpreendente nisto: entre o sonho e a
realidade, o sonho sempre vencerá. A crença sempre ganhará do óbvio. É nossa
natureza !
Mas...
É muito doloroso lidar com pessoas que chegam à meia idade ou estão
muito além dela, e ver que simplesmente o diálogo é impossível. Que nenhuma
informação científica e técnica é aceita. Que ainda acreditam que o tempo
voltará atrás. E não se consegue trazer as pessoas ao terreno da razoabilidade.
Há exceções...
Muito doído, infeliz, lidar com pessoas que se submetem a peeling
e acham que não é suficiente ou ficou pior, que querem uma aplicação toxina botulínica
seguida de diversas reaplicações (“retoques”, como chamam) porque nunca ficam
satisfeitas, ou fazem preenchimentos seguidos achando que o a ruga não ficou
preenchida ou o volume do rosto não é ainda suficiente.
Pior ainda.... Encontrar pessoas que querem procedimentos e, em
seguida, decidem que o culpado por serem velhas, feias, ou ambos, é justamente
o profissional que tentou ajudá-las. Acreditem, isto acontece com frequência. E magoa
demais aquele que se arrisca profissionalmente para tentar “ajudar”.
Então, quem quiser estética, procedimentos injetáveis, procure por
favor clinicas especializadas nisto. Procure cirurgiões plásticos, e eu posso
indicar vários excelentes. Quem tiver bom-senso de verdade, que procure
psicanálise simultaneamente.
Quem estiver realmente doente da pele, ou com acne, ou queira de
mim uma cosmiatria séria e muito bem fundamentada, estou de portas abertas. Mas
procedimentos que signifiquem riscos para ambos... não.
Porque ainda que a ciência nos prognostique um tempo de vida
longuíssimo, não devolverá aos nossos cérebros a autoestima que achávamos que
tínhamos. Autoestima é uma construção permanente que tem que começar desde
muito cedo, desde muito criança, para que, na velhice, ou na feiura, ou na concomitância
dos dois, saibamos onde realmente ainda somos lindos, jovens e ÚTEIS.
Autoestima não envelhece. A beleza e a juventude apenas trasladam entre o corpo
e a consciência individual. E o conceito de vitalidade, de utilidade, a mim ao
menos parece que deve substituir qualquer frustração advinda da obviedade de
envelhecer e tornar-se menos atraente ao espelho e à sexualidade alheia.